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A SÍNDROME DA PESSOA BOAZINHA

    

    Houve um determinado momento na minha vida que eu tive que me render a ideia de que todos os relacionamentos que eu tinha (amorosos ou não) foram gerados pela minha necessidade insana de agradar todo mundo, esquecendo-me me mim mesma. Como cristã, cresci debaixo do primeiro e maior mandamento ensinado por Cristo: "ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento" e também "ame ao próximo como a si mesmo". (Mateus 22:37 e 39). Eu acreditava que amava a Deus mas com o tempo percebi que nunca amei ninguém, nem mesmo a mim.

COMO SE ORIGINA O COMPLEXO DO SALVADOR?

    Na verdade, esse complexo é "herdado" de nossos pais ou das pessoas que cuidaram de nós quando éramos crianças. 
    Não sei de você reparou, mas hoje em dia os pais não deixam seus filhos fazerem mais nada. Eles não podem correr ou gritar por que "vão atrapalhar aos outros". Eles não podem brincar com tinta ou com terra por que "vão se sujar". Não podem subir rm árvores por que "vão cair e quebrar a perna". O mundo se tornou um lugar cheio de "nãos". Alguns vão chamar isso de cuidado, mas eu vejo como egoísmo: privar as crianças de certas experiências básicas que todo ser humano deveria ter, o que nos torna o que somos: seres humanos. Em muitos casos, não se trata de cuidado, mas sim de uma superproteção baseada unicamente no medo daqueles pais de se separarem, nem que seja apenas por algum tempo, de seus filhos. Afinal, se algo acontecer com seus filhos, o que as outras pessoas vão pensar deles? Certamente que são péssimos pais. 
   Quanto mais infantilizados e amedrontados os pais forem, mais infantilizados e ansiosos seus filhos tendem a ser. Esses pais estão sempre tentando "salvar" seus filhos de tudo que eles acreditam que possa fazer-lhes mal. Eles não fazem isso por mal, mas essa superproteção impede os filhos de crescerem e se tornarem adultos maduros e emocionalmente saudáveis. Parece familiar? Inconscientemente, esses filhos acabam replicando o mesmo padrão de comportamento nocivo em seus filhos, e isso se perpetua de geração em geração. 
    Nossos pais agiam desse forma por que foram ensinados dessa maneira. Eles precisam de preocupar excessivamente com o nosso bem estar por que sentem que estão fazendo um bom trabalho como pais. Isso gera um senso de utilidade e uma sensação de "missão cumprida". Todos nós gostamos de ter um propósito para nossas vidas, mas a preocupação excessiva com o bem estar alheio denota uma profunda desconexão com sua própria existência. 
    O fato é que lá no fundo, os pais também acreditam que precisam ser salvos. Há um vazio existencial profundo dentro deles. Uma sensação de que seus corpos estão ocos. Há um abismo que implode e explode, puxa e empurra dentro dos seus corações. A dor desse vazio é ocasionada por muitos traumas emocionais ao longo da vida, gerando muita culpa, dependência emocional, carência afetiva, necessidade de agradar para se sentir validado, dentre outros. O cérebro faz a seguinte associação: "o vazio desse buraco dói. Se eu conseguir preenchê-lo, a dor vai passar". Então eles buscam se relacionar com pessoas e agradá-las de todos os jeitos por que, de certa forma, acreditam estar "comprando" essas pessoas para ocuparem os vazios internos que eles sentem. 
    Mas elas não buscam se relacionar com pessoas saudáveis. Elas buscam se relacionar com pessoas doentes. Elas tem essa necessidade intrínseca de agradar aos outros então buscam se relacionar com pessoas que precisam ser agradadas/bajuladas, e com essas pessoas elas formam relações de codependência emocional. Se forem seus filhos, essa relação será criada ao longo dos anos, com os pais fazendo de tudo por seus filhos mas por outro lado, criticando severamente sua incapacidade de aprender a realizar atividades, até mesmo as mais simples. Algo como "deixa que eu faço por que você não consegue fazer sozinho(a)". Isso gera uma sensação de inutilidade na criança, que futuramente tenta se compensar quando pode encontrar por si mesma as pessoas que ela possa "ajudar", gerando ligações de dependência. Assim ela vai se sentir saciada pelo roubo emocional causado pela impaciência e egoísmo dos seus pais. Ela busca "salvar" outras pessoas por que ela mesma sente que precisa ser salva. Se ela salvar outras pessoas sente estar salvando a si mesma de cair naquele abismo interno gerado pela sensação de falta de propósito que lhe persegue desde a infância, e cada vez fica maior e mais profundo. 
    O problema é que ajudar as pessoas indistintamente (não aprender a dizer "não") em detrimento de suas próprias necessidades leva a uma sobrecarga emocional doentia e tóxica que deprime corpo, alma e espírito. Como essas pessoas mesmas não se amam, precisam que outras pessoas as amem. Se elas se negarem a "salvar" alguém terão que, possivelmente, lidar com a dor da rejeição, e a dor da rejeição não é uma opção. Então elas se sacrificam o máximo que elas podem para "ajudar" a todos que puderem, quer essas pessoas precisem de ajuda ou não. O que acontece é que, ao invés das pessoas ficarem ali e as amarem, elas se sentem incomodadas, tolas e pressionadas, então vão embora. A pessoa com a síndrome do bonzinho se queixa do quanto as outras pessoas que ela ajuda são ingratas e vão embora. 
    Você já sentiu isso sobre si mesmo(a)? Você já se doou a uma pessoa esperando reciprocidade e tudo o que conseguiu foi que ela se afastasde de você? Lembre-se: ninguém que faz uma doação espera receber algo em troca! Se você está esperando receber algo em troca, provavelmente pensa isso com base em algum egoismo dentro de si. Relações de compra e venda são trocas. Relações de doação não são. Então pare de se doar para pessoas que não precisam daquilo que você tem a oferecer. 
    Algo importante que quero mencionar aqui é que todos nós precisamos ser salvos de nossas abismos internos. Porém, o único que pode nos salvar é Jesus. Ele é o NOSSO SALVADOR. Se não podemos salvar nem a nós mesmos, que dirá salvar as outras pessoas. Muito menos para preencher nossas abismos internos com amor condicional (ou seja, migalhas) ofertadas de pessoas vazias que não tem nenhum tipo de compaixão ou misericórdia a nos oferecer. Muitas pessoas aceitam que Jesus seja seu Senhor e Salvador pessoal, mas elas não entendem o real significado disso. Elas não entendem por que Jesus se dispôs a morrer na cruz para salvá-las e elas sequer entendem do que estão sendo salvas (ou não). Então podemos retomar a questão apresentada anteriormente: como você se sente quando se doa e tenta ajudar as pessoas e elas simplesmente vão embora e nem sequer te agradecem pelo seu esforço? Ou quando você as ajuda e elas lhe viram as costas? Eu sempre vejo as pessoas passando por isso e fazendo pactos com elas mesmas de nunca mais ajudar ninguém. Agora, se as pessoas são ingratas e simplesmente vão embora, isso não se trata de você, mas sim delas. Pessoas ingratas sempre serão ingratas, quer alguém faça algo por elas ou não. Elas não são gratas nem mesmo por sua própria existência, então como poderiam ser gratas a qualquer outra pessoa? Isso não deveria ter o poder de mudar nossa essência e nossa capacidade de estender a mão para ajudar quando podemos. 
    Uma das formas que encontrei de buscar o equilíbrio e não usurpar o lugar de salvador que pertence a Jesus é sempre perguntar a Ele se eu deveria me manifestar em alguma situação que vejo e gostaria de intervir. Claro que todos nós gostamos de ajudar, mas a questão é: com qual intenção fazemos isso? Há pessoas com as quais Deus está lidando nesse momento e se nós fizermos algo a respeito, vamos acabar interferindo no trabalho de Deus. Isso pode prejudicar severamente o processo de evolução e crescimento daquela pessoa. É como tirar um bolo do forno antes da hora apenas por que estamos apressados e com fome. Isso é egoísmo! E além disso, acabamos comendo um bolo cru. Precisamos entender que o fardo de salvar as pessoas já foi designado para alguém. E esse trabalho também já foi executado. Jesus já morreu na cruz por nós e já nos salvou de qualquer coisa da qual acreditamos que precisamos ser salvos. É claro que muitos de nós não estamos agindo como "salvadores" de forma consciente. Apenas fazemos isso por que fomos criados para acreditar que esse é o "jeito certo" de fazer. Mas Jesus não deseja que carreguemos o pesado fardo de salvar as outras pessoss delas mesmas e do abismo interno em que vivem. Nosso trabalho é permitir que Ele nos salve e nos guie como nosso Líder, em quem depositamos toda a nossa confiança. 
    Eu te convido a refletir nisso com toda seriedade e honestidade que essa situação merece. Cada pessoa é responsável por cuidar de si mesma. Só podemos cuidar e ajudar os outros quando nós estamos bem e dispostos. Ser altruísta não deve ser uma obrigação e nem um peso. Não devemos ser movidos por uma sensação de culpa (algo como "o que será que vão pensar de mim se eu não ajudar?") ou pena (como quando pensamos "coitadinho dele. Preciso ajudá-lo de alguma maneira!") por que Deus não tolera que nos relacionemos uns com os outros com base no medo. Vamos devolver a Jesus Seu lugar de honra, como nosso Senhor e Salvador, aprendendo e permitindo que Ele cuide de cada um de nós de forma pessoal e amorosa? É assim que nós amamos a Deus em primeiro lugar e ao próximo como a nós mesmos: aprendendo nossos limites e conhecendo a nossa própria essência cada vez mais. Quando aprendemos a amar e respeitar a nós mesmos, aprendemos também a amar e respeitar o próximo